quarta-feira, 28 de julho de 2010

Impressões dos Atores sobre don Quijote de la Mancha


Um diretor e amigo nosso, Antônio Apolinário, estava acompanhando nosso processo inicialmente e pediu a cada um que escrevesse a sua impressão sobre a personagem dom Quixote. Como ela nos tocava e onde ela se encontrava na contemporaneidade. Estas impressões poderão ser conferidas logo abaixo:

Relatos que surgiram através da interação com a obra O Engenhoso Fidalgo don Quijote de la Mancha

Foi no colegial que fiquei sabendo da existência de um famoso louco que lutou contra moinhos de ventos na certeza de serem muitos gigantes. E o pior, perdeu a luta e se machucou todo. Naquela época não dei muita importância pra isso. Pra quê? Afinal, não era assunto de vestibular. E desde então vinha reparando nas esculturas sobre ele, nas adaptações que surgiram, nos dizeres de seus seguidores, enfim, nas conseqüências que seu criador deixou por aqui, no mundo.
Tudo bem que o “saci pererê” não seja conhecido no mundo todo, mas O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de la Mancha aposto que sim! Mas confesso que só depois de uma abstinência teatral fui me interessar impressionantemente pela trajetória inteirinha desse cara. Tem coisas que a gente leva e tem coisas que leva a gente e esse tá me levando, viu?
Quem diria poder dialogar através de sua linguagem com pessoas tão diversas e inéditas na minha vida? E outra, as mudanças são as mais importantes: no começo ia ficar nos bastidores, mais uma vez, mas agora minha responsabilidade é muito maior comigo mesma: é uma bruta coragem se encarregar de interpretar qualquer um dos famosos personagens dessa grande história, e bota grande em todos os sentidos. Ainda não passei de um terço dessa história, mas pelo jeito que começou sinto e vejo uma dimensão histórica muito maior: a dimensão da história dele na história do mundo, na história da literatura e agora na história da nossa união, dentro da história da minha vida.
Por enquanto são esses fatores que considero mais relevante que Dom Quixote conseguiu me trazer. Um mundo muito mágico de histórias praticamente impossíveis.

Iara Lage




Aqui estou eu, um ator do século XXI; dos tempos modernos; da alta tecnologia às voltas com uma obra literária clássica. Não apenas uma obra, mas sim “a obra”. Trata-se de El Ingenioso Hidalgo don Quijote de la Mancha, o nosso famoso dom Quixote, de Miguel de Cervantes Saavedra. Uma obra que atravessou quatro séculos para me atormentar nos dias atuais.
Assim como tantos – escritores, pintores, escultores e pessoas simplesmente com o péssimo hábito da leitura – me apaixonei por esta esplêndida e cruel obra, a ponto de possuir dez diferentes volumes sobre a história de nosso famoso fidalgo. Desde uma edição espanhola de 1878 a uma miniatura, contendo toda a história na íntegra, onde só pode ser lida (acredite se quiser) se usada uma lupa.
Toda esta fixação me fez investir em um projeto megalomaníaco, ao meu ver, onde resolvi montar a novela de Cervantes para teatro de rua usando uma linguagem contemporânea, o que para mim é quase um paradoxo, pois, como transportar esta figura do século XVII, tão presente no imaginário popular, para os dias atuais?
Pode parecer óbvio para você, caro leitor, onde devesse eu me apoiar para realizar a minha difícil tarefa de transcriação literária: este mundo, cheio de injustiças, em que vivemos; guerras devastadoras por coisas tão ínfimas; o homem destruindo o seu próprio habitat para uma suposta evolução; – e o que mais se parece com nossos dias atuais – a falta de figuras ideológicas, utópicas, que queiram desfazer agravos e endireitar tortos. Um herói, mesmo que seja um anti-herói, para trazer esperança a um mundo esquecido, uma Idade de Ouro perdida para sempre em nossa eterna Idade de Ferro. Um dom Quixote e seu fiel escudeiro Sancho Pança. Despreparados para encarar tais aventuras, mas com vontade de mudar as coisas ao seu redor.
Eis a pergunta que faço, não só a você mas também a mim, e que me atormenta tanto nesta minha longa e árdua jornada (ou seria aventura?): onde está dom Quixote? Ou seria melhor dizer: onde estão nossos dons Quixotes? Quem são eles? Quando irão se despertar; se enlouquecer e sair pelo mundo contagiando uma legião de escudeiros para acompanhar-lhes nesta difícil aventura.
Digo que todos devemos ser Sanchos, mesmo que não haja ilhas a que governar, nem ruços a que cavalgar. Aceitar as pauladas que nos derem e os manteamentos que nos alçarem aos céus. Devemos ser Quixotes, mesmo sem Dulcinéias a quem servir – pois mesmo a própria foi uma desculpa criada para se lançar ao mundo – ou sem Rocinantes a quem se apoiar. Exércitos ou carneiros; castelos ou vendas; princesas ou meretrizes; gigantes ou moinhos de vento. Não importa o que vier pela frente. Precisamos da loucura utópica de um dom Quixote para que nossa época não se torne uma lacuna na história.
Há algum tempo escolhi ser um dom Quixote e espero realizar uma parte desta utopia através deste espetáculo. Para isso encontrei alguns companheiros que fossem comigo nesta jornada. Seriam eles novos Sanchos, ou assim como eu outros Quixotes. Não sei responder. Sei apenas que será uma aventura prazerosa, onde participar da luta é mais gratificante que ganhar a guerra.


Samir Antunes
05/03/2010


2 comentários:

  1. Seria muito justo se fosse creditado o autor da ilustracao usada na capa dessa materia. Pelo menos poderia pedir autorização para usa-la.

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  2. Legal o toque fabmoraes. Se você se refere a imagem do Dom Quixote, ela estava disponível na internet e sem autoria, por isso não demos crédito ao autor. Caso você saiba quem é, peço para que nos envie o contato que conversaremos direto com a pessoa.
    Grato
    Att,

    Peripatéticos

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