segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Incentivo Não Muito Incentivador


Nos tempos de hoje, viver - ou até mesmo sobreviver - da arte se tornou o sonho de todo artista. Todos que trabalham com arte, seja ela qual for, sabem o quão pouco é valorizado o trabalho artístico em nosso país. "Ir ao teatro pra quê?" questionam pais de família; "Aprender artes não vai ajudar em nada na minha vida.", afirma a aluna; "Balet que nada! Você vai é trabalhar!" impõe a mãe; "Arte é coisa de vagabundo, de maconheiro..." decreta a sociedade. Por essas e outras, que conseguir um icentivo para desenvolver um trabalho artístico ficou tão difícil.
Com o surgimento da Lei Estadual de Incentivo à Cultura (digo a do estado de Minas Gerais, pois não tenho conhecimento das outras) a vida do artista parecia estar mudando de rumo. Uma dignidade maior estava a caminho. O governo liberaria parte do ICMS das empresas para que elas incentivassem a cultura (qualquer tipo de cultura, não só a artística) no estado e dessa forma ainda, se benefeciarem com a divulgação de sua marca. Para ser beneficiado pela lei, o proponente (pessoa que deseja realizar uma atividade cultural) deve formular um projeto e enviar a Secretaria de Cultura do estado e a partir daí, torcer para que seu projeto seja aprovado. Após a aprovação, cada proponente deve entrar em contato com impresas com potencial de incentivo para que elas liberem a verba e aí é só fazer aquilo que sabe: trabalhar.
Com o tempo, os artistas foram vendo que a coisa não era bem assim. O sonho de ter um incentivo para realizar seu projeto e viver dignamente de seu trabalho estava virando um pesadelo. Descobriu-se que aprovar um projeto na lei era fácil, o difícil era conseguir a captação de recurso junto às empresas. Não basta ter um projeto aprovado, você deve convencer a empresa de que incentivar seu trabalho é bom para ela (como se já não fosse bom o fato dela ter seu nome vinculado a um projeto o qual ela, de certa forma, nem retiraria dinheiro de seus cofres). As empresas então começaram a escolher projetos que a beneficiam diretamente, que falem daquilo que ela deseja. Por exemplo, se você tem a intensão de montar um espetáculo que questione o desmatamento e o uso de substâncias poluentes por algumas indústrias, você dificilmente conseguirá incentivo para seu trabalho. Para ter certeza de que irá conseguir a tal captação, o artista precisa se "prostituir", buscando fazer projetos que exaltem a colaboração de empresas para o meio ambiente e seus projetos de sustentabilidade que , no caso de algumas, sabemos que é apenas uma faixada para ludibriar a população e o governo. Projetos já estáveis e artistas renomados, que conseguem se manter bem sem estes incentivos, passaram também a ser o alvo destas empresas para liberarem o incentivo. Não que estes artistas não mereçam receber também este apoio. Eles são reconhecidos justamente por terem trabalhado muito e merecem desfrutar disso agora. O que acontece é que nenhuma empresa parece querer vincular seu nome a um artista desconhecido e também não fazem a menor questão de conhecer o seu trabalho, para desta forma julgar se ele é digno ou não de tal apoio.
Não é difícil (pelo contrário, é muito fácil) encontrar proponentes com os olhos brilhando ao verem seu nome na lista de aprovados da lei de incentivo - eu mesmo já fui um mais de uma vez - e abaixo aquela cifra considerável para a realização de seu sonho, porém os sorrisos de alegria do artista pela aprovação de seu projeto na lei acaba sendo ofuscado pela decepção ao fim do ano ao não conseguir o tão desejado apoio. Mesmo recorrendo à empresas que trabalham exclusivamente com essa parte de captação (e recebem uma parte do projeto aprovado), o fim da maioria é perda do projeto.
Que este desabafo sirva de alerta para a classe artística, e porque não dizer cultural, que se sente prejudicada ou desmotivada a relizar seu trabalho tão fundamental, como qualquer outro, à sociedade. Todos precisam se unir para que este quadro se reverta. O artista tem de ter sua própria voz, criar a sua arte questionadora e não ser alvo de censura através de um dinheiro atravessado pelas empresas. Da mesma forma, as empresas devem começar a enxergar nos artistas parceiros e um "trampulim" para relacionar a sua empresa como incentivadora da arte e cultura no país. E, por fim, o governo precisa rever seus conceitos e reformular suas leis, para benefício da população, que é para quem ele trabalha.
Vamos manter a arte a cultura de nosso país. Ela faz parte de nossa educação e é também a nossa memória.


Samir Antunes é ator e um dos membros fundadores do Peripatéticos.

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Processo de Montagem de Don Quijote

Abaixo fotos do processo de montagem do espetáculo Don Quijote:









"Apoiando-se na lança contemplava as armas..."





















"Abandonando mulher e filhos, Sancho Pança se empregou como escudeiro do vizinho..."











"Investindo contra o primeiro moinho que avistou, bateu com a lança em uma das pás..."













"Parando à porta da venda, Don Quijote chamou o vendeiro..."
















"Por cima do muro que tentou escalar, Don Quijote viu Sancho baixar e subir ao ar..."
















"Chega-te para os bons e serás um deles..."





















"Sua imaginação ficou impregnada de tudo que lia nos livros..."















"Enquanto cavalgava o destemido aventureiro dialogava consigo mesmo..."




Fotos tiradas em 07/11/2010 by Juliana Alves

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Relatos a partir do filme Big Fish


Durante o processo de pesquisa para a montagem do espetáculo don Quijote, os atores assistiram ao filme Big Fish, do diretor Tim Burton, e fizeram um relato comparando-o com a obra O Engenhoso Fidalgo don Quijote de la Mancha.
Segue abaixo a impressão de cada um:


Brevíssimo relato acerca do Filme Big Fish

É muito frágil a linha entre a imaginação e a realidade, é o que nos mostra o filme Big Fish, e pegando carona nesse carro (ou o contrário) vem Dom Quixote com suas aventuras fantásticas.
Quem convivia com Ed Bloom, personagem principal do filme, tinha a seu lado o tempo todo um livro ambulante, seria bom se todos nós tivemos a capacidade de engrandecer nossos feitos, seria bom se uma simples ida ao banco se tornasse a maior aventura de nossas vidas (sem ser por estarmos fugindo de balas perdidas), se um dia comum de trabalho, com pessoas comuns se tornasse a mais fantástica história, com personagens grandiosos e inesquecíveis; é exatamente isso que Eduard Bloom faz com sua vida, e a vida dos que o cerca, em suas histórias todas as pessoas são igualmente especiais e importantes para fazer com que ela e quem a vive sejam imortais.
Penso que a maioria das pessoas gostaria de repente se ver mais importante, mais forte, mais capaz do que realmente é, mas estão tão presas a um mundo “real” que preferem chamar de loucos os que tentam se desvencilhar dessa mesmice que nos cerca. Queríamos como Quixotes tornar nossas conquistas as mais bem conquistadas, e nossas derrotas as mais derrotadas, porém as mais dignas diante de uma luta desigual e ferrenha.
Creio que pessoas assim, como Dom Quixote e Ed Bloom, têm alma de criança (ou de artista), só elas são capazes de inventar histórias fantásticas ou ouvir histórias inimagináveis e crer na veracidade de tais histórias... Mais do que isso fazem com que todos acreditem em nelas ou pelo menos fiquem numa infinita dúvida.

Eliana Silva

Relatório -Big Fish

O filme me colocou em uma situação de reflexão durante a sucessão de cenas em que a fantasia e a realidade surgiram se misturando.
Tomando Ed. Bloom como exemplo, vejo a importancia de se contar histórias de vida. Sua história de vida se refletia assim no "como" se dava a narrativa e nas fantasias surgidas.
De maneira geral, o filme faz um paralelo com a obra D.Quijote quando trata de escolhas fantasiosas que cada situação nos propicia.
o filme num outro paralelo, diz algo muito simples e já dito por muitos. O fato de que não podemos perder a energia de criança. Nas crianças encontramos toda curiosidade que proporciona um mundo inesperado com suas fantasias e histórias.
Cada um encontra o seu "monstro gigante" que às vezes não é monstro, e muito menos gigante.

Charles Pinheiro



A RELAÇÃO BREVEMENTE RELATORIADA DO CAVALEIRO DA TRISTE FIGURA E DO CAVALHEIRO DAS GRANDES HISTÓRIAS

É assim: um conta/inventa as histórias que viveu e o outro inventa/conta as histórias que está vivendo. Parece muito simples, mas eles conseguem dar um jeitinho de deixar qualquer coisa mais interessante ou com mais aventura. As pessoas que se envolvem com esses universos acabam agindo e pensando igual a eles, mas não tem problema, pois é assim que a coisa vai ficando cada vez melhor: um monte de informações que se interligam e dão voltas em histórias que parecem nem ter mais relação, por exemplo quando um deles começa contando como cresceu seus ossos e quando se ouve bem já está contando como se casou com a mulher da sua vida.
Ambos mantêm uma relação com um animal. É como se fosse um símbolo. Então, teremos relatos de um peixe e de um cavalo. Aparentemente muito diferentes, mas posso garantir a semelhança gritante entre eles: o que um cavalo suporta dentro da água é o que um peixe suporta fora dela.
Vamos aos fatos: Um dia, o cavalo acordou de um sonho muito especial que acabara de ter. Pudera! Depois de tanto comer livros de cavalaria adormeceu por três anos! E quando acordou estava atrasado para a próxima aventura de um digno cavalo de um cavaleiro andante. Seu mestre: o Cavaleiro da Triste Figura.
Já o peixe, nem se fala! Não se sabe se por sorte ou milagre, pois de um segundo para o outro, acordou num lugar milhões de vezes maior do que qualquer outro que poderia imaginar!
E depois dessas transformações de vida os animais passaram por situações que nunca alguém pode escrever ou inventar de tão únicas e complicadas de contar da mesma maneira que sabem contar. Também não temos o objetivo de retratar nada ao pé da letra, senão ninguém iria encontrar novidades quando trombassem com nossos heróis na rua, não é mesmo?
Nesse mesmo dia em que caíram em seus novos rumos, cavalo e peixe descobriram que tinham um poder mágico: o poder de poder escolher o que gostariam de fazer no momento em que quisessem escolher. O peixe escolheu fugir de qualquer criatura para aproveitar ao máximo dessa nova quantidade de espaço que ganhou. O cavalo teve um pouco menos de sorte que o peixe, pois seu mestre quem acabava convencendo-o de outras idéias que, geralmente, eram as idéias do mestre, mas, como um cavalo fiel, não reclamava de nada.
As histórias do cavalo acabavam por se fundir com as histórias do peixe e diversos fatos das histórias do peixe nos ajudam a entender melhor as histórias do cavalo. Na verdade, as histórias tomaram uma dimensão um pouco maior do que o comum: imaginem um labirinto gigante e os nossos heróis dentro dele. Se fosse um tipo de pessoa comum, provavelmente ficaria assustada e com muito medo do que estaria por vir e poderia ficar no labirinto pra sempre. O peixe iria achar muito interessante e procuraria a aventura mais complicada pra passar o tempo e encontrar a saída. Nosso cavalo começaria sua trajetória imaginando, e depois tendo a certeza, que estaria num enorme castelo digno de um cavalo do Cavaleiro da Triste Figura e posso garantir que sua caminhada ia ser a mais cheia de desafios intrigantes. Caso eles se encontrassem iriam ficar horas contando suas
aventuras um para o outro, pois o que mais gostam de fazer é contar como se saíram bem de suas histórias.
O peixe conseguiu fugir de tudo por muito tempo e acabou crescendo de um tanto que até o espaço que tinha diminuiu. Mas chegou um dia, e ele desconfiava que esse dia fosse chegar, que viu algo brilhar de uma maneira que nunca tinha visto no lago. Foi conferir o que era e sua única maneira de verificar era colocando na boca e assim o fez. De repente foi puxado pelo objeto e percebeu que estava sendo pescado. Até chegar à beira foi lembrando de toda sua vida e como vinha tendo muita sorte ultimamente. Quando finalmente chegou à beira do rio conheceu o Cavalheiro das Grandes Histórias. O Cavalheiro só queria conhecer o famoso peixe grande e o obrigou a devolver sua aliança, aquele objeto brilhante que o peixe abocanhou. O peixe deduziu aliviado que sua sorte não tinha acabado e o Calheiro respirou aliviado, pois não tinha perdido sua aliança e nem devorado pelo peixe grande.
Reparem que o Cavalheiro das Grandes Histórias foi o único ser que conseguiu ver de pertinho quem era o tal peixe grande. Ficou vangloriado pela sua vitória e colocou esse acontecimento como uma das principais histórias de suas Grandes Histórias.
Já com o cavalo, sua principal aventura, uma coisa difícil de escolher, foi quando seu mestre resolveu seguir pelo caminho mais mal-assombrado e perigoso que podemos imaginar. E ainda era de noite. Se não fosse o cavalo proteger o da Triste Figura, aí sim podemos imaginar uma tragédia. Aconteceu que o Cavaleiro estava com um pouco de sono e bem na hora de passar pelas aranhas voadoras adormeceu. O cavalo ficou com muito medo, mas lembrou do seu poder e decidiu escolher que as aranhas não existiam e suas teias eram algodão-doce. Comeu tudo que viu pela frente! Quando o Cavaleiro acordou estavam num lindo jardim cheio de lindas árvores e um enorme castelo com ótimos empregados.
Bom, já estamos chegando ao fim dos relatos, pois, como diz o título, estamos brevemente relatoriando um pouco da trajetória de nossos heróis. Só sabemos que eles nunca vão morrer, pelo menos não dentro das pessoas que o conhecerem. Podemos dizer que o peixe, junto com o Cavalheiro das Grandes Histórias viveram sim grandes histórias, mas a forma como contam podemos até desconfiar de alguma invenção que as deixam com mais emoção. Podemos dizer também que o cavalo e o Cavaleiro da Triste Figura também acaba por inventar alguma coisa ou outra, mas inventa na hora em que vive pra viver com mais emoção e não apenas contar com mais emoção.

Iara Lage


INDAGAÇÕES ACERCA DE NOSSA IMAGINAÇÃO

Você já inventou estórias para seus amigos tão maravilhosas, fantásticas e geniais, que em determinados momentos chegou a se perguntar se elas realmente eram fantasiosas ou a mais pura verdade? Já ouviu casos curiosos, mas que, com a devida pitada de imaginação poderiam ficar bem mais apreciáveis aos ouvidos da platéia presente? Você já leu um livro ou assistiu a um espetáculo teatral, que de tão formidável a história passou a se sentir uma personagem dela e acreditar que era possível realizar todos aqueles feitos heróicos, descomunais, vis, extraordinários, e até mesmo patéticos, criados por seu autor?
Se fizermos todas estas indagações a uma criança, provavelmente ela saberá muito bem do que elas se tratam, mas terão dificuldade em compreender qual a razão de inúmeras questões, visto que seria óbvio e – o que é ainda melhor – extremamente divertido poder ser mais que uma simples pessoa, que trabalha para pagar suas dívidas todo o fim de mês, poder ser fantástico; ser vilão e mocinho; acreditar que é o pirata ou mesmo o garoto perdido que não queria crescer. Que estupendo poder se encontrar no País das Maravilhas só para poder ficar minúsculo, como uma formiga, e de repente gigante, como moinhos de vento! A criança é um contador de estórias em potencial; um verdadeiro pescador que joga a sua isca, e quando menos esperamos, estamos fisgados por sua pureza.
Diante de tudo isso, me deparo em mais uma indagação: Por que os adultos não conseguem ter este tipo de imaginação? Ou melhor: Por que lhes é vedado ter uma mente ainda tão infantil? Não o infantil das irresponsabilidades ou da imaturidade, mas o infantil do divertimento; da fantasia; da beleza nas coisas pequenas; da alegria que transforma a vida daquele que caiu em tristeza. A seriedade do dia-a-dia bloqueou a sensibilidade adulta. Construímos muros ao invés de pontes.
Se você é adulto e suas respostas para todas aquelas indagações iniciais são um SIM, não perca esta luz que você carrega e dissemine-a por todos ao seu redor, para que eles também aprendam como é bom enxergar além dos concretos que nos cercam. Agora, se suas respostas forem um não... Conviva mais com as crianças. Aprenda com elas como podemos ser vários e continuar sendo nós mesmos. Veja como a vida pode ser mágica sem perder a seriedade. Afinal, você quer ser autor apenas de sua vida, ou personagem na vida de milhares de outras pessoas?

Samir Antunes

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Impressões dos Atores sobre don Quijote de la Mancha


Um diretor e amigo nosso, Antônio Apolinário, estava acompanhando nosso processo inicialmente e pediu a cada um que escrevesse a sua impressão sobre a personagem dom Quixote. Como ela nos tocava e onde ela se encontrava na contemporaneidade. Estas impressões poderão ser conferidas logo abaixo:

Relatos que surgiram através da interação com a obra O Engenhoso Fidalgo don Quijote de la Mancha

Foi no colegial que fiquei sabendo da existência de um famoso louco que lutou contra moinhos de ventos na certeza de serem muitos gigantes. E o pior, perdeu a luta e se machucou todo. Naquela época não dei muita importância pra isso. Pra quê? Afinal, não era assunto de vestibular. E desde então vinha reparando nas esculturas sobre ele, nas adaptações que surgiram, nos dizeres de seus seguidores, enfim, nas conseqüências que seu criador deixou por aqui, no mundo.
Tudo bem que o “saci pererê” não seja conhecido no mundo todo, mas O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de la Mancha aposto que sim! Mas confesso que só depois de uma abstinência teatral fui me interessar impressionantemente pela trajetória inteirinha desse cara. Tem coisas que a gente leva e tem coisas que leva a gente e esse tá me levando, viu?
Quem diria poder dialogar através de sua linguagem com pessoas tão diversas e inéditas na minha vida? E outra, as mudanças são as mais importantes: no começo ia ficar nos bastidores, mais uma vez, mas agora minha responsabilidade é muito maior comigo mesma: é uma bruta coragem se encarregar de interpretar qualquer um dos famosos personagens dessa grande história, e bota grande em todos os sentidos. Ainda não passei de um terço dessa história, mas pelo jeito que começou sinto e vejo uma dimensão histórica muito maior: a dimensão da história dele na história do mundo, na história da literatura e agora na história da nossa união, dentro da história da minha vida.
Por enquanto são esses fatores que considero mais relevante que Dom Quixote conseguiu me trazer. Um mundo muito mágico de histórias praticamente impossíveis.

Iara Lage




Aqui estou eu, um ator do século XXI; dos tempos modernos; da alta tecnologia às voltas com uma obra literária clássica. Não apenas uma obra, mas sim “a obra”. Trata-se de El Ingenioso Hidalgo don Quijote de la Mancha, o nosso famoso dom Quixote, de Miguel de Cervantes Saavedra. Uma obra que atravessou quatro séculos para me atormentar nos dias atuais.
Assim como tantos – escritores, pintores, escultores e pessoas simplesmente com o péssimo hábito da leitura – me apaixonei por esta esplêndida e cruel obra, a ponto de possuir dez diferentes volumes sobre a história de nosso famoso fidalgo. Desde uma edição espanhola de 1878 a uma miniatura, contendo toda a história na íntegra, onde só pode ser lida (acredite se quiser) se usada uma lupa.
Toda esta fixação me fez investir em um projeto megalomaníaco, ao meu ver, onde resolvi montar a novela de Cervantes para teatro de rua usando uma linguagem contemporânea, o que para mim é quase um paradoxo, pois, como transportar esta figura do século XVII, tão presente no imaginário popular, para os dias atuais?
Pode parecer óbvio para você, caro leitor, onde devesse eu me apoiar para realizar a minha difícil tarefa de transcriação literária: este mundo, cheio de injustiças, em que vivemos; guerras devastadoras por coisas tão ínfimas; o homem destruindo o seu próprio habitat para uma suposta evolução; – e o que mais se parece com nossos dias atuais – a falta de figuras ideológicas, utópicas, que queiram desfazer agravos e endireitar tortos. Um herói, mesmo que seja um anti-herói, para trazer esperança a um mundo esquecido, uma Idade de Ouro perdida para sempre em nossa eterna Idade de Ferro. Um dom Quixote e seu fiel escudeiro Sancho Pança. Despreparados para encarar tais aventuras, mas com vontade de mudar as coisas ao seu redor.
Eis a pergunta que faço, não só a você mas também a mim, e que me atormenta tanto nesta minha longa e árdua jornada (ou seria aventura?): onde está dom Quixote? Ou seria melhor dizer: onde estão nossos dons Quixotes? Quem são eles? Quando irão se despertar; se enlouquecer e sair pelo mundo contagiando uma legião de escudeiros para acompanhar-lhes nesta difícil aventura.
Digo que todos devemos ser Sanchos, mesmo que não haja ilhas a que governar, nem ruços a que cavalgar. Aceitar as pauladas que nos derem e os manteamentos que nos alçarem aos céus. Devemos ser Quixotes, mesmo sem Dulcinéias a quem servir – pois mesmo a própria foi uma desculpa criada para se lançar ao mundo – ou sem Rocinantes a quem se apoiar. Exércitos ou carneiros; castelos ou vendas; princesas ou meretrizes; gigantes ou moinhos de vento. Não importa o que vier pela frente. Precisamos da loucura utópica de um dom Quixote para que nossa época não se torne uma lacuna na história.
Há algum tempo escolhi ser um dom Quixote e espero realizar uma parte desta utopia através deste espetáculo. Para isso encontrei alguns companheiros que fossem comigo nesta jornada. Seriam eles novos Sanchos, ou assim como eu outros Quixotes. Não sei responder. Sei apenas que será uma aventura prazerosa, onde participar da luta é mais gratificante que ganhar a guerra.


Samir Antunes
05/03/2010


De uma Ideia ao Primeiro Trabalho

O Peripatéticos, grupo de pesquisa cênico-musical, surgiu ao final do ano de 2009 - mas especificamente no mês de outubro - através de uma ideia de se montar um grupo para a pesquisa de Teatro de Rua. Naquela ocasião era formado pela atriz Eliana Silva e pelos atores Samir Antunes e Charles Pinheiro. O intuito era ampliar o número de integrantes no grupo, mas, com o fim de ano se aproximando, não houve êxito nesta tentativa. O negócio era esperar o próximo ano para se concretizar então a sua formação.
Acontece que neste período de fim de ano havia sido mandado para a Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Estado de Minas Gerais 2009, um projeto - idealizado pela atriz Marizabel Pacheco - de adaptação, montagem e circulação da obra O Engenhoso Fidalgo don Quixote de la Mancha do escritor espanhol Miguel de Cervantes Saavedra, e para surpresa dos então integrantes, ao fim do mês de dezembro daquele ano chega a notícia de que o projeto havia sido aprovado na lei. Foi tudo uma alegria só. O ano de 2010 prometia.
Em meados de janeiro então, já com as férias terminadas, os membros se reúnem junto à atriz e produtora Iara Lage - convidada naquela época a fazer a produção do espetáculo - para começarem a captação de recursos e o processo de pesquisa e montagem do tão esperado espetáculo. O grupo precisava de mais um ator, dois músicos, além de um diretor e um dramaturgo. A falta de grana dificultava o interesse de tais profissionais para a empreitada, tornando o processo lento, mas a dedicação dos quatro integrantes não podia diminuir. O grupo resolve chamar para si a responsabilidade e começa a se dirigir e a transcriar a obra para a dramaturgia. Foram muitas leituras, filmes, relatórios e laboratórios para que se chegasse a uma base do que o espetáculo pretende se tornar. Até que no início do mês de julho se junta a eles o músico Elias Mendes, solucionando, em parte, a questão musical.
Neste momento o grupo ainda tenta a captação de recurso junto à alguma empresa e continua o processo de montagem do espetáculo Em Um Lugar de la Mancha.
É neste blog que será postado todo o material produzido e coletado para a produção do espetáculo até o seu resultado final. Esperamos que todos critiquem, comentem, ajudem e compartilhem conosco este momento tão especial.
Muita merda a todos!