Nos tempos de hoje, viver - ou até mesmo sobreviver - da arte se tornou o sonho de todo artista. Todos que trabalham com arte, seja ela qual for, sabem o quão pouco é valorizado o trabalho artístico em nosso país. "Ir ao teatro pra quê?" questionam pais de família; "Aprender artes não vai ajudar em nada na minha vida.", afirma a aluna; "Balet que nada! Você vai é trabalhar!" impõe a mãe; "Arte é coisa de vagabundo, de maconheiro..." decreta a sociedade. Por essas e outras, que conseguir um icentivo para desenvolver um trabalho artístico ficou tão difícil.
Com o surgimento da Lei Estadual de Incentivo à Cultura (digo a do estado de Minas Gerais, pois não tenho conhecimento das outras) a vida do artista parecia estar mudando de rumo. Uma dignidade maior estava a caminho. O governo liberaria parte do ICMS das empresas para que elas incentivassem a cultura (qualquer tipo de cultura, não só a artística) no estado e dessa forma ainda, se benefeciarem com a divulgação de sua marca. Para ser beneficiado pela lei, o proponente (pessoa que deseja realizar uma atividade cultural) deve formular um projeto e enviar a Secretaria de Cultura do estado e a partir daí, torcer para que seu projeto seja aprovado. Após a aprovação, cada proponente deve entrar em contato com impresas com potencial de incentivo para que elas liberem a verba e aí é só fazer aquilo que sabe: trabalhar.
Com o tempo, os artistas foram vendo que a coisa não era bem assim. O sonho de ter um incentivo para realizar seu projeto e viver dignamente de seu trabalho estava virando um pesadelo. Descobriu-se que aprovar um projeto na lei era fácil, o difícil era conseguir a captação de recurso junto às empresas. Não basta ter um projeto aprovado, você deve convencer a empresa de que incentivar seu trabalho é bom para ela (como se já não fosse bom o fato dela ter seu nome vinculado a um projeto o qual ela, de certa forma, nem retiraria dinheiro de seus cofres). As empresas então começaram a escolher projetos que a beneficiam diretamente, que falem daquilo que ela deseja. Por exemplo, se você tem a intensão de montar um espetáculo que questione o desmatamento e o uso de substâncias poluentes por algumas indústrias, você dificilmente conseguirá incentivo para seu trabalho. Para ter certeza de que irá conseguir a tal captação, o artista precisa se "prostituir", buscando fazer projetos que exaltem a colaboração de empresas para o meio ambiente e seus projetos de sustentabilidade que , no caso de algumas, sabemos que é apenas uma faixada para ludibriar a população e o governo. Projetos já estáveis e artistas renomados, que conseguem se manter bem sem estes incentivos, passaram também a ser o alvo destas empresas para liberarem o incentivo. Não que estes artistas não mereçam receber também este apoio. Eles são reconhecidos justamente por terem trabalhado muito e merecem desfrutar disso agora. O que acontece é que nenhuma empresa parece querer vincular seu nome a um artista desconhecido e também não fazem a menor questão de conhecer o seu trabalho, para desta forma julgar se ele é digno ou não de tal apoio.
Não é difícil (pelo contrário, é muito fácil) encontrar proponentes com os olhos brilhando ao verem seu nome na lista de aprovados da lei de incentivo - eu mesmo já fui um mais de uma vez - e abaixo aquela cifra considerável para a realização de seu sonho, porém os sorrisos de alegria do artista pela aprovação de seu projeto na lei acaba sendo ofuscado pela decepção ao fim do ano ao não conseguir o tão desejado apoio. Mesmo recorrendo à empresas que trabalham exclusivamente com essa parte de captação (e recebem uma parte do projeto aprovado), o fim da maioria é perda do projeto.
Que este desabafo sirva de alerta para a classe artística, e porque não dizer cultural, que se sente prejudicada ou desmotivada a relizar seu trabalho tão fundamental, como qualquer outro, à sociedade. Todos precisam se unir para que este quadro se reverta. O artista tem de ter sua própria voz, criar a sua arte questionadora e não ser alvo de censura através de um dinheiro atravessado pelas empresas. Da mesma forma, as empresas devem começar a enxergar nos artistas parceiros e um "trampulim" para relacionar a sua empresa como incentivadora da arte e cultura no país. E, por fim, o governo precisa rever seus conceitos e reformular suas leis, para benefício da população, que é para quem ele trabalha.
Vamos manter a arte a cultura de nosso país. Ela faz parte de nossa educação e é também a nossa memória.
Samir Antunes é ator e um dos membros fundadores do Peripatéticos.
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