segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Relatos a partir do filme Big Fish


Durante o processo de pesquisa para a montagem do espetáculo don Quijote, os atores assistiram ao filme Big Fish, do diretor Tim Burton, e fizeram um relato comparando-o com a obra O Engenhoso Fidalgo don Quijote de la Mancha.
Segue abaixo a impressão de cada um:


Brevíssimo relato acerca do Filme Big Fish

É muito frágil a linha entre a imaginação e a realidade, é o que nos mostra o filme Big Fish, e pegando carona nesse carro (ou o contrário) vem Dom Quixote com suas aventuras fantásticas.
Quem convivia com Ed Bloom, personagem principal do filme, tinha a seu lado o tempo todo um livro ambulante, seria bom se todos nós tivemos a capacidade de engrandecer nossos feitos, seria bom se uma simples ida ao banco se tornasse a maior aventura de nossas vidas (sem ser por estarmos fugindo de balas perdidas), se um dia comum de trabalho, com pessoas comuns se tornasse a mais fantástica história, com personagens grandiosos e inesquecíveis; é exatamente isso que Eduard Bloom faz com sua vida, e a vida dos que o cerca, em suas histórias todas as pessoas são igualmente especiais e importantes para fazer com que ela e quem a vive sejam imortais.
Penso que a maioria das pessoas gostaria de repente se ver mais importante, mais forte, mais capaz do que realmente é, mas estão tão presas a um mundo “real” que preferem chamar de loucos os que tentam se desvencilhar dessa mesmice que nos cerca. Queríamos como Quixotes tornar nossas conquistas as mais bem conquistadas, e nossas derrotas as mais derrotadas, porém as mais dignas diante de uma luta desigual e ferrenha.
Creio que pessoas assim, como Dom Quixote e Ed Bloom, têm alma de criança (ou de artista), só elas são capazes de inventar histórias fantásticas ou ouvir histórias inimagináveis e crer na veracidade de tais histórias... Mais do que isso fazem com que todos acreditem em nelas ou pelo menos fiquem numa infinita dúvida.

Eliana Silva

Relatório -Big Fish

O filme me colocou em uma situação de reflexão durante a sucessão de cenas em que a fantasia e a realidade surgiram se misturando.
Tomando Ed. Bloom como exemplo, vejo a importancia de se contar histórias de vida. Sua história de vida se refletia assim no "como" se dava a narrativa e nas fantasias surgidas.
De maneira geral, o filme faz um paralelo com a obra D.Quijote quando trata de escolhas fantasiosas que cada situação nos propicia.
o filme num outro paralelo, diz algo muito simples e já dito por muitos. O fato de que não podemos perder a energia de criança. Nas crianças encontramos toda curiosidade que proporciona um mundo inesperado com suas fantasias e histórias.
Cada um encontra o seu "monstro gigante" que às vezes não é monstro, e muito menos gigante.

Charles Pinheiro



A RELAÇÃO BREVEMENTE RELATORIADA DO CAVALEIRO DA TRISTE FIGURA E DO CAVALHEIRO DAS GRANDES HISTÓRIAS

É assim: um conta/inventa as histórias que viveu e o outro inventa/conta as histórias que está vivendo. Parece muito simples, mas eles conseguem dar um jeitinho de deixar qualquer coisa mais interessante ou com mais aventura. As pessoas que se envolvem com esses universos acabam agindo e pensando igual a eles, mas não tem problema, pois é assim que a coisa vai ficando cada vez melhor: um monte de informações que se interligam e dão voltas em histórias que parecem nem ter mais relação, por exemplo quando um deles começa contando como cresceu seus ossos e quando se ouve bem já está contando como se casou com a mulher da sua vida.
Ambos mantêm uma relação com um animal. É como se fosse um símbolo. Então, teremos relatos de um peixe e de um cavalo. Aparentemente muito diferentes, mas posso garantir a semelhança gritante entre eles: o que um cavalo suporta dentro da água é o que um peixe suporta fora dela.
Vamos aos fatos: Um dia, o cavalo acordou de um sonho muito especial que acabara de ter. Pudera! Depois de tanto comer livros de cavalaria adormeceu por três anos! E quando acordou estava atrasado para a próxima aventura de um digno cavalo de um cavaleiro andante. Seu mestre: o Cavaleiro da Triste Figura.
Já o peixe, nem se fala! Não se sabe se por sorte ou milagre, pois de um segundo para o outro, acordou num lugar milhões de vezes maior do que qualquer outro que poderia imaginar!
E depois dessas transformações de vida os animais passaram por situações que nunca alguém pode escrever ou inventar de tão únicas e complicadas de contar da mesma maneira que sabem contar. Também não temos o objetivo de retratar nada ao pé da letra, senão ninguém iria encontrar novidades quando trombassem com nossos heróis na rua, não é mesmo?
Nesse mesmo dia em que caíram em seus novos rumos, cavalo e peixe descobriram que tinham um poder mágico: o poder de poder escolher o que gostariam de fazer no momento em que quisessem escolher. O peixe escolheu fugir de qualquer criatura para aproveitar ao máximo dessa nova quantidade de espaço que ganhou. O cavalo teve um pouco menos de sorte que o peixe, pois seu mestre quem acabava convencendo-o de outras idéias que, geralmente, eram as idéias do mestre, mas, como um cavalo fiel, não reclamava de nada.
As histórias do cavalo acabavam por se fundir com as histórias do peixe e diversos fatos das histórias do peixe nos ajudam a entender melhor as histórias do cavalo. Na verdade, as histórias tomaram uma dimensão um pouco maior do que o comum: imaginem um labirinto gigante e os nossos heróis dentro dele. Se fosse um tipo de pessoa comum, provavelmente ficaria assustada e com muito medo do que estaria por vir e poderia ficar no labirinto pra sempre. O peixe iria achar muito interessante e procuraria a aventura mais complicada pra passar o tempo e encontrar a saída. Nosso cavalo começaria sua trajetória imaginando, e depois tendo a certeza, que estaria num enorme castelo digno de um cavalo do Cavaleiro da Triste Figura e posso garantir que sua caminhada ia ser a mais cheia de desafios intrigantes. Caso eles se encontrassem iriam ficar horas contando suas
aventuras um para o outro, pois o que mais gostam de fazer é contar como se saíram bem de suas histórias.
O peixe conseguiu fugir de tudo por muito tempo e acabou crescendo de um tanto que até o espaço que tinha diminuiu. Mas chegou um dia, e ele desconfiava que esse dia fosse chegar, que viu algo brilhar de uma maneira que nunca tinha visto no lago. Foi conferir o que era e sua única maneira de verificar era colocando na boca e assim o fez. De repente foi puxado pelo objeto e percebeu que estava sendo pescado. Até chegar à beira foi lembrando de toda sua vida e como vinha tendo muita sorte ultimamente. Quando finalmente chegou à beira do rio conheceu o Cavalheiro das Grandes Histórias. O Cavalheiro só queria conhecer o famoso peixe grande e o obrigou a devolver sua aliança, aquele objeto brilhante que o peixe abocanhou. O peixe deduziu aliviado que sua sorte não tinha acabado e o Calheiro respirou aliviado, pois não tinha perdido sua aliança e nem devorado pelo peixe grande.
Reparem que o Cavalheiro das Grandes Histórias foi o único ser que conseguiu ver de pertinho quem era o tal peixe grande. Ficou vangloriado pela sua vitória e colocou esse acontecimento como uma das principais histórias de suas Grandes Histórias.
Já com o cavalo, sua principal aventura, uma coisa difícil de escolher, foi quando seu mestre resolveu seguir pelo caminho mais mal-assombrado e perigoso que podemos imaginar. E ainda era de noite. Se não fosse o cavalo proteger o da Triste Figura, aí sim podemos imaginar uma tragédia. Aconteceu que o Cavaleiro estava com um pouco de sono e bem na hora de passar pelas aranhas voadoras adormeceu. O cavalo ficou com muito medo, mas lembrou do seu poder e decidiu escolher que as aranhas não existiam e suas teias eram algodão-doce. Comeu tudo que viu pela frente! Quando o Cavaleiro acordou estavam num lindo jardim cheio de lindas árvores e um enorme castelo com ótimos empregados.
Bom, já estamos chegando ao fim dos relatos, pois, como diz o título, estamos brevemente relatoriando um pouco da trajetória de nossos heróis. Só sabemos que eles nunca vão morrer, pelo menos não dentro das pessoas que o conhecerem. Podemos dizer que o peixe, junto com o Cavalheiro das Grandes Histórias viveram sim grandes histórias, mas a forma como contam podemos até desconfiar de alguma invenção que as deixam com mais emoção. Podemos dizer também que o cavalo e o Cavaleiro da Triste Figura também acaba por inventar alguma coisa ou outra, mas inventa na hora em que vive pra viver com mais emoção e não apenas contar com mais emoção.

Iara Lage


INDAGAÇÕES ACERCA DE NOSSA IMAGINAÇÃO

Você já inventou estórias para seus amigos tão maravilhosas, fantásticas e geniais, que em determinados momentos chegou a se perguntar se elas realmente eram fantasiosas ou a mais pura verdade? Já ouviu casos curiosos, mas que, com a devida pitada de imaginação poderiam ficar bem mais apreciáveis aos ouvidos da platéia presente? Você já leu um livro ou assistiu a um espetáculo teatral, que de tão formidável a história passou a se sentir uma personagem dela e acreditar que era possível realizar todos aqueles feitos heróicos, descomunais, vis, extraordinários, e até mesmo patéticos, criados por seu autor?
Se fizermos todas estas indagações a uma criança, provavelmente ela saberá muito bem do que elas se tratam, mas terão dificuldade em compreender qual a razão de inúmeras questões, visto que seria óbvio e – o que é ainda melhor – extremamente divertido poder ser mais que uma simples pessoa, que trabalha para pagar suas dívidas todo o fim de mês, poder ser fantástico; ser vilão e mocinho; acreditar que é o pirata ou mesmo o garoto perdido que não queria crescer. Que estupendo poder se encontrar no País das Maravilhas só para poder ficar minúsculo, como uma formiga, e de repente gigante, como moinhos de vento! A criança é um contador de estórias em potencial; um verdadeiro pescador que joga a sua isca, e quando menos esperamos, estamos fisgados por sua pureza.
Diante de tudo isso, me deparo em mais uma indagação: Por que os adultos não conseguem ter este tipo de imaginação? Ou melhor: Por que lhes é vedado ter uma mente ainda tão infantil? Não o infantil das irresponsabilidades ou da imaturidade, mas o infantil do divertimento; da fantasia; da beleza nas coisas pequenas; da alegria que transforma a vida daquele que caiu em tristeza. A seriedade do dia-a-dia bloqueou a sensibilidade adulta. Construímos muros ao invés de pontes.
Se você é adulto e suas respostas para todas aquelas indagações iniciais são um SIM, não perca esta luz que você carrega e dissemine-a por todos ao seu redor, para que eles também aprendam como é bom enxergar além dos concretos que nos cercam. Agora, se suas respostas forem um não... Conviva mais com as crianças. Aprenda com elas como podemos ser vários e continuar sendo nós mesmos. Veja como a vida pode ser mágica sem perder a seriedade. Afinal, você quer ser autor apenas de sua vida, ou personagem na vida de milhares de outras pessoas?

Samir Antunes